MINHA SEGUNDA CASA

Por BRUNO VICARIA*

No começo, era um santuário. Tinha ido uma vez antes de entrar na família Grande Prêmio e tinha ficado besta com tantos carrinhos e quadros. Na segunda vez que pisei ali, em 6 de janeiro de 2007, já havia sido como funcionário.

No coração da Avenida Paulista, entulhado de quinquilharias de corrida, com um chefe inteligente e divertido, passei a ir todo dia. Era eu numa mesa, um buraco, o Flavio na outra e a TV na maioria das vezes ligada atrás dele. O cara me aceitou na casa dele e me deixou completamente à vontade.

Não deu outra: lá virou minha casa (não consigo chamar aquele lugar de redação) e ele virou um irmão mais velho. Ele até me chama de brother — e garanto que ele chama pouca gente assim. E eu aprendi com esse cara.

E eu vivi aquele lugar intensamente.

Era mais fácil me encontrar na Paulista 807, cj. 802, do que na minha casa. Chegava às 7h e entrava oficialmente em serviço às 8h. Adorava o fato de estar ali, no coração da cidade, vivendo aquela loucura com menos de 25 anos de idade.

Fui cínico a ponto de levar um colchão inflável para lá — que só saiu quando o amor acabou e tive de devolvê-lo para a dona. Como moro na Zona Norte e adorava as noitadas nos bares da Augusta (Sarajevo, Outs, Inferno e afins) — além de ter um amigo que morava do outro lado da rua na Paulista, no famoso Pauliceia –, nem pensava em voltar para a casa. Sacava o crachá do hotel, conseguia entrar, atuando para tentar disfarçar o pileque, jogava o colchão que enchi antes de sair no chão e desmaiava.

Numa dessas esqueci de trancar a porta e um segurança, em sua ronda, mexeu na maçaneta e abriu a porta. Ainda bem que naquela madrugada estava trabalhando.

Recebi amigos, estagiários, colegas, namoradinhas, tinha o dia da faxineira da “Limpeza Veloz” também, ganhei um monte de amigos — basicamente os amigos do Flavio que ligavam lá e, como quase nunca o achavam, falavam comigo. O mais pentelho era o Dú Cardim. Também virou o mais amigo de todos. Sabia os horários que ele saía para o “Bate Bola”, sempre cuidava dos envelopes para o contador e mantinha o cheiro de cigarro no escritório quando ele não estava. Vi muito futebol, sujei muito esse carpete com farelo de comida,

Havia uma plaquinha que ambos se orgulhavam: smoking permitted.

Foi ali que entrevistamos o Bruno Senna e o Claudio Carsughi — e onde entrevistei informalmente por dois anos um jornalista aí. Sempre quando podia, matava algumas curiosidades. E lá gravávamos o finado Rádio GP, que era uma delícia.

Não vou negar, Flavio, que eu fucei pra caralho ali. A intimidade é uma merda. Livros, revistas, papéis, credenciais, DVDs… Só não encostava nas miniaturas. Mentira: teve um dia que eu peguei a Lotus do Piquet na mão só pra falar que peguei.

Essas fuçadas até te surpreenderam, pois resolvi fotografar todas suas credenciais e encontramos coisas que nem você lembrava. Esse release da Ferrari de 2000 da vitória do Barrichello estava na primeira gaveta escrivaninha do meio. Se eu acertei, então você não toca nessa gaveta, no mínimo,desde o início de 2009.

Quando voltei à família GP agora em 2016, como parceiro, pedi para voltar a frequentar o escritório. Tinha combinado com o Flavio, mas por algum motivo não consegui ir. E aí, quando vou ver, acabou. Recebo a notícia da despedida. Não deu nem para dar tchau, mas nem reclamei, foi melhor assim. Prefiro lembrar daquele lugar do jeito que eu o vivi.

Como minha segunda casa.

bvicaria* Bruno Vicaria veio, foi, voltou, está por aí. Tem corridas no sangue, jornalismo nas veias. A salinha foi sua segunda casa? Ótimo. Fuçou tudo? Tanto melhor. A gente precisa saber o que tem em casa.



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