SÃO PAULO (the best) - Precisamos falar sobre Verstappen.
Tenho alguns anos disso aqui, e não é das minhas maiores características a memória enciclopédica. Mas não acho que já tenha visto uma atuação tão excepcional de um piloto na vida.
Meio de cabeça, posso lembrar de Senna em Mônaco/1984, Schumacher na Bélgica/1996, Barrichello na Alemanha/2000, Senna em Donington/1993, Senna de novo em Suzkua/1988. Mas o que esse menino fez hoje, acho que nunca vi. As últimas 16 voltas da corrida, depois de sua última parada na 54ª, foram épicas.
A Red Bull atrapalhou bem o jovem Max, espetando pneus intermediários em seu carro duas vezes, quando era muito óbvio que a quantidade de água no asfalto não recomendava nada menos do que biscoitos de sulcos bem profundos. Foram dois pit stops desnecessários. Mas devemos agradecer a equipe pelo otimismo.
Graças principalmente à segunda parada, que jogou Verstappinho de quinto para 14º, vimos algumas das mais belas ultrapassagens que este autódromo velho de guerra pôde oferecer a quem gosta de corridas. Em 16 voltas, ele ganhou 11 posições — uma delas graças à rodada de Alonso. As demais, em dez manobras brilhantes e esteticamente impecáveis.
OK, alguém haverá de dizer que alguns carros não ofereceram muita resistência, mas é preciso elogiar mesmo essas ultrapassagens sobre pilotos menos qualificados. As condições da pista exigiam alguma cautela. Naquele aguaceiro, até o mais lento pode atrapalhar, e a chance der erro é enorme. Só que Max é assim: chega e passa.
O rapaz escolheu linhas raras, trajetórias incomuns, pontos improváveis. Passou praticamente em todas as curvas de Interlagos. Enfileirou adversários como se fossem pedrinhas de dominó que a um peteleco cairiam inapelavelmente. Primeiro, Gutiérrez. Depois, Wehrlein, Bottas, Ricciardo, Kvyat, Ocon e Nasr. Um por volta. “O próximo é Hülkenberg”, avisou a equipe. Demorou um pouco mais: três voltas até assumir o sexto lugar. Vettel era o seguinte da lista. Foi por dentro na Junção, depois de descer o Mergulho lado a lado. Incrível. Sainz Jr. nem viu por onde ele passou, já na volta 66. Na 69, levou Pérez por fora no… Bico de Pato!
Só quem já andou em Interlagos sabe como é difícil, quase impossível, passar por fora no Bico de Pato. Ou por fora no Sol, como ele fizera na volta 31 em cima de Rosberg, assumindo o segundo lugar. Logo depois, ainda deu um showzinho ao controlar o carro aquaplanando no Café, passando a centímetros do muro. E, no começo da prova, fez uma clássica manobra por dentro no S do Senna em cima de Raikkonen. Trabalho completo, repertório vasto.
Igual, em Interlagos, não me lembro de ter testemunhado nada parecido. na quantidade e na variedade. O pódio, sétimo no ano, acabou sendo um prêmio para um rapaz que não especula muito para fazer aquilo que tem de fazer. Seu pai, Jos, disse que achou mais legal o terceiro lugar desse jeito do que um eventual segundo, ou até uma vitória, se não tivesse de lutar por tantas posições.
Com seu sorriso maroto, Verstappinho falou que muitas vezes escolheu linhas diferentes porque não estava enxergando nada e tinha de sair de trás do carro que estava à sua frente para fugir do spray. Mas era evidente sua habilidade trazida do kart, onde a molecada aprende na primeira lição, na chuva, a fazer um traçado completamente diferente daquele que se usa no seco. Fugir da borracha, que vira sabão, cortar tangências, buscar aderência. Foi sua receita.
Max podia ganhar se não fossem as paradas para colocar os pneus intermediários? Ele mesmo responde: “Provavelmente, não. Segundo, com certeza daria. Mas em corridas assim, a gente tem de fazer algumas apostas para tentar vencer. Não funcionou hoje, mas estamos no pódio depois de passar um monte de gente. Isso faz de mim hoje uma pessoa feliz”.
Feliz ficou quem assistiu à corrida. Max é um gênio muito precoce, caso raro em qualquer esporte. Felizes somos nós, que estamos vendo nascer um piloto como ele.
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