SAI, ALVIN! (2)

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RIO (não teve esquilo) – Aconteça o que acontecer amanhã em Montreal, desconfio que a imagem do fim de semana será essa aí em cima, ou uma de suas variações lá embaixo — na sala de entrevista coletiva, na foto oficial dos três primeiros, no beijo reverente, na garrafinha e nos óculos que caíram no chão quando ele viu o que ganhou.

Hamilton e Senna não se conheceram pessoalmente. Mas o brasileiro é, de longe, o maior ídolo do atual campeão mundial. Para Lewis, Ayrton é uma espécie de herói. E cada vez que fala nele, se emociona. Foi assim no Japão, em 2015, quando igualou as 41 vitórias de Senna. Foi assim ao final daquela mesma temporada, quando chegou ao terceiro título. E foi assim hoje, ao fazer a 65ª pole-position de sua carreira.

Nunca tinha visto Lewis tão tocado como agora há pouco no circuito Gilles Villeneuve. E o motivo de tanta comoção não foi só o fato de ter empatado com Senna nas estatísticas daquilo que ele fazia melhor — voltas de classificação. Lewis ganhou um presente inesperado que o deixou desconcertado. Assim que saiu do carro, ele, Vettel e Bottas, os três primeiros no grid, foram colocados numa perua Mercedes de serviço para dar entrevista ao ar livre diante da arquibancada que fica de frente para uma das últimas curvas do traçado, o histórico grampo que leva à retona paralela à raia olímpica. O pessoal da Liberty vem fazendo isso nas últimas corridas, entrevistas no asfalto, na frente da torcida. Muito legal.

Aí, um rapaz engravatado se aproximou com uma caixa de acrílico coberta e entregou a Hamilton. Ele tirou a pequena capa e, na caixa, havia um capacete usado por Senna na temporada de 1987 — a família do brasileiro fez a surpresa, mandando o exemplar original para Montreal. O capacete, de base amarela inconfundível, ainda tem a pintura dos cigarros Camel, patrocinador da Lotus 30 anos atrás, e o adesivo da Honda na viseira. Além, claro, dos logotipos do extinto Banco Nacional.

Quando viu o capacete, Lewis deixou cair no chão a garrafinha de água que carregava na mão esquerda. Ficou sem palavras, e não é força de expressão. “Estou tremendo”, disse. Tirou a tampa de acrílico, pegou o capacete, e dele não mais desgrudou. Chegou a beijá-lo. Quando voltava para os boxes, sentado na janela da perua Mercedes, abraçou o capacete e encostou seu rosto nele, acariciando-o. Depois, levou-o para a sala de imprensa.

Por que relato tudo isso com tantos detalhes? Porque é muito legal quando atletas vitoriosos não têm vergonha de demonstrar o respeito que cultivam por aqueles que vieram antes deles, seus ídolos de infância, os deuses de suas fantasias. Senna foi, e é, isso para Hamilton. O carinho que ele tem pelo Brasil — uma imagem do Cristo Redentor está pintada no seu capacete, cujo desenho foi elaborado por um brasileiro — é muito grande, e se deve exclusivamente a Ayrton.

Por isso, este sábado foi especialmente marcante para o piloto da Mercedes. A pole que o igualou a Senna foi espetacular, com uma volta em 1min11s459, depois de virar 1min11s795 pouco antes — tempo que já seria suficiente para largar em primeiro. Uma volta que seu guru aplaudiria de pé, porque foi mesmo próxima da perfeição.

Hamilton levou 195 GPs para chegar a 65 poles. Senna atingiu essa marca na sua 162ª classificação. O recordista é Schumacher, com 68. Lewis, em pouco tempo, vai se tornar o maior poleman da história, mas que ninguém espere lágrimas quando o fizer. Michael nunca foi seu ídolo, e superar o alemão será apenas consequência do momento que ele e sua equipe vivem. Acho que nunca mais veremos o inglês emocionado como hoje. Foi o ápice de sua trajetória, quando colocada em paralelo com a de Senna.

Se pudesse, Hamilton correria com o capacete do brasileiro amanhã. Não será possível por várias razões. Segurança, entre elas. Capacete tem prazo de validade de cinco anos e o que ele ganhou foi fabricado há três décadas. Também não pode mais propaganda de cigarro na TV — e a marca Camel ainda existe. Além do mais, a Mercedes não iria curtir uma testeira com Honda na viseira de seu principal piloto.

Mas ele bem que gostaria. “Esse capacete é mais importante do que todos meus troféus”, falou Lewis. “Nunca tive nenhum objeto que tenha pertencido a ele. Ganhar esse presente de sua família é uma grande honra. Ayrton é o cara que eu queria ser desde criança. Eu me lembro de ver os VTs de suas corridas quando chegava da escola. Imaginar que estou aqui hoje com o mesmo número de poles que ele é algo inacreditável, é até estranho. Eu realmente não poderia estar mais feliz.”

No fim das contas, foi isso o sábado de Montreal: Senna e Hamilton, Hamilton e Senna. Preciso contar o que aconteceu na pista? OK, conto rapidinho, para quem não viu. No Q1, Bottas foi o mais rápido, com Lewis em segundo. Foram eliminados Não Doorme, Strollpício,  Magnólia Arrependida, Sonyericsson e Wê Lá, Hein?, tudo muito normal. No Q2, os pilotos da Mercedes trocaram de posição, Lewis na frente, Sapattos em segundo, e a degola ceifou K-Vyado, El Fodón de Las Américas, Sainz Idade, Grojã e Palmolive.

Ao Q3 foram as duplas de Mercedes, Red Bull, Ferrari, Force India, uma Williams e uma Renault. Comandante Amilton terá ao seu lado na primeira fila Tião Italiano, que ficou 0s330 atrás do tempo da pole — um distância abissal, considerando a pequena extensão da pista canadense. Bottas e Raikkonen dividem a segunda fila. O resto ficou bem distante: Verstappinho, Ricardão, Massacrado, Maria do Bairro, L’Ocon e Hulk fecharam a lista dos dez primeiros.

Hamilton costuma andar bem em Montreal. Ganhou cinco vezes no lindo circuito insular, em 2007/10/12/15/16. Desconfio que vai ganhar de novo. Depois de passar uma noite tranquila, abraçado ao capacete do cara que sempre quis ser.

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