RIO (dá uma preguiça…) – O Fox Sports transmitiu os treinos para as 24 Horas de Le Mans. Fez a largada e as primeiras horas ao vivo, no sábado. À noite, nova entrada ao vivo com mais algumas horas de corrida. Na manhã de domingo, idem, até a bandeira quadriculada para o Porsche #2 em uma corrida emocionante e surpreendente.
Para essa transmissão, o canal — onde também trabalho — escalou o narrador Hamilton Rodrigues e o comentarista Rodrigo Mattar. Também participaram, no turno da noite, Thiago Alves e Edgard Mello Filho.
Todos se prepararam para a cobertura do evento com o profissionalismo de sempre. Inclusive, não foi a primeira edição das 24 Horas que transmitimos. A gente entende do riscado.
Mattar é um obcecado por corridas de endurance. E um profundo conhecedor do WEC e das coisas de Le Mans. Lê, pesquisa, entrevista, apura. Falo dele em particular porque sua paixão pela categoria é comovente. E a quantidade de informações que tem, impressionante. É só ver o trabalho que fez em seu blog “A Mil por Hora” nas últimas semanas. O desgraçado, além de tudo, escreve bem pacas.
Conseguir encaixar tantas horas de automobilismo em canais que dedicam seu tempo quase todo a futebol é uma vitória. Um negócio legal, resultado de esforços coletivos que rompem obstáculos, quebram tabus, desafiam a lógica editorial que define escolhas num país mono-esportivo como o Brasil.
Imagino que todo mundo que gosta de automobilismo deve ter ficado feliz com a decisão da Fox de mostrar Le Mans. Eu achei o máximo.
Aí, ontem pela manhã, pouco depois da largada, pipoca no Twitter de Lucas di Grassi a seguinte postagem:
Uau. Eu vi na hora, porque sigo o perfil do piloto — como de tantos outros, e de equipes, e de categorias, e de jornalistas. Twitter é uma ótima ferramenta de informação instantânea. E muitas notícias são dadas em primeira mão através dele, pelas próprias fontes de informação. De todas, é a que mais gosto e a que considero mais útil. Sabiam que a captura de Bin Laden foi tuitada por um vizinho da casa onde ele se escondia no Paquistão? Foi demais, aquilo!
Bem, não se trata de corporativismo o que farei nas linhas abaixo, uma defesa dos colegas que, naquela hora, estavam fazendo a transmissão — Hamilton e Rodrigo.
O cara, e qualquer um, pode achar o que bem entender de uma cobertura jornalística. E pode se expressar da maneira que quiser. A gente, da imprensa, recebe xingamentos, críticas, ofensas pessoais, tolices, patacoadas, asneiras e gabolices de leitores/ouvintes/telespectadores o tempo todo. Ainda mais depois que inventaram as redes sociais e a tal de interação. Faz parte do ofício.
Essa tuitada aí é apenas mais uma.
Daí que minha primeira reação foi a mesma que tenho quando me deparo com postagens como essa que pululam aos borbotões: nossa, que babaca.
Mas não porque o tom era crítico, nem porque tinha vindo de quem veio. Em geral, bato o olho primeiro no teor do que pinga na minha “timeline”, e depois é que vou procurar saber quem escreveu.
Minha reação foi “nossa, que babaca”, porque o julgamento do autor era, de fato, tacanho. A transmissão estava ótima, repleta de informações, dados, histórias, graça, bom humor, narração precisa, comentários pertinentes, qualidade acima da média pelo perfil profissional de quem estava com o microfone na cabine.
Como disse, lidamos com néscios o tempo todo. Seria apenas mais, um, mas quando vi quem era, tive uma segunda reação: nossa, por que será que ele foi tão babaca? Talvez a resposta esteja aqui, no comentário duro que o Bruno Vicaria postou em seu blog. Como dizia uma amiga minha querida nesses casos, não sei, sei lá.
Não esperamos, nós jornalistas, tratamento condescendente de ninguém quando entramos no ar. O público tem de ser exigente, mesmo. E quando falo em “público”, estou falando de todo mundo. Inclusive de pilotos. Lucas não deveria escrever o que escreveu porque somos jornalistas, podemos nos vingar, colocá-lo na geladeira, porque transmitimos a categoria que ele disputa e tem de puxar nosso saco? Foi babaca por isso?
Não.
Lucas não deveria escrever o que escreveu porque não é verdade que a transmissão tinha “pouco conhecimento técnico”. Lucas pode entender de carros. Pode ter enorme conhecimento técnico sobre o assunto. E tem, mesmo. Ainda bem, porque é a profissão dele. E é muito bom no que faz. Mas não entende picas de TV. Não tem conhecimento técnico sobre uma transmissão. Não conhece o perfil dos nossos telespectadores. Não tem ideia do tom que se deve adotar numa transmissão dessas. Não tem noção do trabalho que nós fazemos.
E vou além: é muito provável que nós saibamos muito mais do ofício dele, do que ele do nosso. Se me colocarem num carro de corrida, eu guio. Sei dirigir, não é talento tão especial assim, afinal — todo mundo dirige. Vou ser mais lento do que ele, claro, bem mais lento. Mas guio, se bobear posso até disputar uma corrida.
Mas se mandarem um piloto (ou jogador de futebol, ou tenista, ou surfista, ou halterofilista) narrar uma corrida inteira, pontuar comentários, empostar a voz, interagir com telespectadores, ler os textos publicitários, operar o equipamento de áudio e vídeo, tudo isso ao mesmo tempo, e depois escrever 100 linhas sobre aquilo que viu em dez minutos, não sai nada. Fumaça da cabeça do indigitado, talvez.
É óbvio. Cada um na sua.
Por saber disso, eu poderia rebater sua tuitada escrevendo: “Comentário com pouco conhecimento técnico. Se tiver alguma dúvida sobre como se faz TV, fico à disposição para qualquer pergunta”. Mas se o fizesse, teria sido tão deselegante e desnecessário quanto ele foi. Insisto: Lucas, e qualquer um, tem o direito de achar que somos péssimos. Não tem problema nenhum nisso. E tem todo o direito de se manifestar publicamente sobre o que considera uma deficiência daqueles que levam à TV informações sobre o esporte que pratica.
Da mesma forma, e agora falo em meu nome, apenas, tenho o direito de achar que seu comentário foi babaca. Ou, se o termo parece pesado, foi bobo, desnecessário, até deselegante com quem faz um trabalho tão sério e com tanta dedicação. E meus colegas, igualmente, têm o direito de achar o que quiserem daquilo que ele falou — e certamente cada um deles tem sua opinião.
O que garanto, e talvez nem fosse preciso porque temos, todos, uma história nesta profissão, é que esse episódio no fundo desimportante não mudará uma vírgula naquilo que viermos a falar de Lucas nas próximas transmissões. No caso, das corridas Fórmula E, o principal campeonato que disputa. Da corrida de Le Mans ele não participou, porque machucou o pé jogando bola e foi vetado pelos médicos — embora tenha escrito no mesmo Twitter que “escolheu” correr em Berlim, o que não é verdade; foi vetado, mesmo.
O tom da narração e dos comentários será o mesmo de sempre, as avaliações e julgamentos de seu desempenho serão justas e técnicas, como são quando falamos de pilotos de qualquer nacionalidade, seja ele bonito ou feio, simpático ou antipático, alto ou baixo, gordo ou magro. Vamos continuar convidando-o para participar dos programas da casa, vamos continuar pedido a ele para gravar “selfies” para as edições especiais sobre a Fórmula E, vamos entrevistá-lo sempre que possível — suas entrevistas são ótimas –, o tratamento será idêntico ao que sempre foi.
Então, não muda absolutamente nada. Porque é assim que tem de ser.
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