MOGYORÓD (água purifica) – Sabe aquela história de separar os homens dos meninos? Bom, em corridas de automóvel isso acontece quando chove. Em treinos de classificação, também. Hamilton tem seus momentos geniais. Não é à toa que já está, fácil, entre os maiores pilotos de todos os tempos. Numa lista de cinco, não dá para não incluir o rapaz. Lewis larga na pole para o GP da Hungria amanhã depois de classificação caótica. Sobreviver no caos é uma arte. O piloto da Mercedes, hoje, a exerceu com maestria. Tirou da cartola molhada uma volta maravilhosa para virar de cabeça para baixo uma corrida que, até então, parecia desenhada para a Ferrari — se o clima continuasse quente e firme.
Quente, continua. Mas firme…
Meia hora antes da classificação uma chuvinha marota molhou Hungaroring, logo parou, parecia que ia secar de vez, mas todo mundo foi para a pista logo que os boxes foram abertos. Motivo: tinha mais água a caminho, avisavam os radares meteorológicos que, desta vez, não erraram.
A pista foi declarada molhada às 14h55, obrigando a todos o uso de pneus intermediários. Raios e trovões, porém, assustavam pilotos e equipes antecipando algum tipo de dilúvio daqueles que deixariam Noé esfregando as mãos. Melhor, impossível.
Trechos da pista estavam secos. Alguns, úmidos. Outros, bem molhados. Bottas fechoua primeira volta cronometrada em 1min27s245 — tempo de F-2 no seco, coisa de 10s mais lento que nos treinos livres.
A ameaça de uma tempestade era iminente. Os pneus esquentavam muito na parte oposta à reta dos boxes, onde o asfalto estava quase seco. Os engenheiros piravam, mandando os pilotos esfriarem sua borracha na água disponível. Ericsson, então, arriscou e colocou slicks, ultramacios. Foi o primeiro. Vettel tinha 1min25s176 até ali. Faltavam 10min para o fim do Q1. Ricciardo, por alguma razão insondável, colocou pneus macios.
Os tempos começaram a baixar imediatamente, com a chuva parando e o trilho se formando. Hülkenberg virou na casa de 1min21s. Raikkonen fez 1min19s828 e logo depois, 1min18s474. Ninguém podia bobear. O revezamento na ponta era divertidíssimo: Sainz Jr., Vettel, Kimi, Hamilton… Quando o cronômetro zerou, todos estavam na pista ainda, completando voltas. Vettel acabou em primeiro, com 1min16s666. Dançaram, pela ordem, Vandoorne, Leclerc, Ocon, Pérez e Sirotkin.
Os boxes foram abertos no Q2 e ninguém quis pagar para ver quando a cuva voltaria — as nuvens negras no céu traziam tal certeza. Foi todo mundo para a pista garantir um tempinho com slicks. Só que nem deu tempo de ver se dava. A chuva voltou aqui e ali — em “pontos isolados”, como diria a Maju. O suficiente para molhar tudo de novo.
Quando disse que “todo mundo” foi para a pista de slicks, era força de expressão. Vettel, por exemplo, tacou logo de cara os intermediários. Fez sua primeira volta cronometrada em 1min28s636. Os demais tiveram de parar nos boxes para trocar os pneus novamente.
A chuva apertou. Os tempos começaram a subir dramaticamente. Mesmo com intermediários, ninguém chegava nem perto de Vettel, o espertinho do Q2. Magnussen colocou “wets”, os chamados “pneus biscoito”, para chuva forte — chamarei os intermediários, doravante, de “bolachas”, que como todos sabem, especialmente em São Paulo, são diferentes de “biscoitos”; no Rio, é tudo “biscoito”, um inferno.
Quem estava fora do Q3 teve de fazer isso: colocar “biscoitos” no lugar de “bolachas”. Faltavam 4min para o fim da sessão. Um deles era Ricciardo. Da turma da frente, era o único em apuros. Mas seria muito difícil baixar os tempos. Especialmente no último setor, tinha água demais. Pelo rádio, o engenheiro de Alonso perguntou qual pneu ele queria colocar. “Sei lá, coloca o que quiser. Acho melhor voltar para o box”, respondeu o desolado espanhol, para arrematar: “Com ‘wets’ dá para ir, mas se eu for 25s mais lento vou ficar andando para nada. Mesmo se eu colocar uma turbina de foguete vou continuar em P11″. Alonso é demais.
Fernandinho acabou mesmo em P11, seguido por Ricciardo, Hülkenberg, Ericsson e Stroll, que a ele se juntaram na segunda degola. Gasly em quinto e Hartley em sétimo foram as grandes surpresas do Q2, colocando os dois carrinhos da Toro Rosso entre os dez primeiros.
A grande dúvida para o Q3 era: será que vai dar para usar intermediários em algum momento dos 12 minutos da sessão? Parou de chover forte, mas ainda pingava com intensidade em alguns trechos da área do autódromo. Olhando para cima se viam algumas réstias de sol e céu azul, é verdade. Não haveria tempo suficiente, porém, para drenar a água espalhada pelo circuito. O jeito foi mesmo sair de “biscoitos” — não “bolachas”, sejamos bem claros. A parte final da volta estava particularmente ensopada.
Verstappinho foi o primeiro a fechar volta em um altíssimo 1min38s923. Hamilton era quem parecia mais à vontade no aguaceiro magiar. Fez uma volta em 1min36s648. Mas logo depois a massa finlandesa que sempre acompanha o GP da Hungria nas arquibancadas se levantou e urrou de alegria: Raikkonen cravou 1min36s186. Quase meio segundo mais rápido que o inglês.
Vettel veio logo depois e passou 0s024 atrás. Não deu para ele. Mas no apagar das luzes, como diziam os velhos locutores, vieram Bottas — os finlandeses urraram de novo — e… ele, Hamilton. O cara meteu 1min35s658 no cronômetro. Seu engenheiro se esgoelou. “Puta volta do caralho, puta que pariu, você é foda!”, falou (com palavras ligeiramente diferentes, reconheço). “Foi boa?”, perguntou Lewis modestamente.
Foi, foi muito boa. Foi exatamente 0s260 mais boa que a de Bottas e 0s528 mais boa que a de Raikkonen. “Mais boa” não se deve falar, é feio. Mas eu gosto. “Melhor” já é quase um clichê, muito desgastado. “Mais boa” é mais legal. Vou adotar. Vettel terminou em quarto, com Sainz Jr. em quinto, Gasly em sexto, Verstappen em sétimo, Hartley em oitavo, Magnussen em nono e Grosjean fechando o top-10. A Red Bull foi, sim, uma decepção — antes que me perguntem. A filial Toro Rosso, em compensação, uma alegria.
“A Ferrari foi mais rápida o fim de semana todo, mas os céus se abriram e o jogo ficou mais justo”, declamou do alto das Colinas de Golã o líder do Mundial. Foi a 77ª pole de sua carreira, quinta no ano. Faz da Mercedes favorita para a vitória amanhã? Ah, depende de um monte de coisa. No seco, não sei não. No molhado, certamente. Se Hamilton disparar sem spray na cara, ninguém mais pega. Do contrário, vai ter briga. Nos dois casos, vai ser uma corrida legal.
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