Foto: Fabrício Vasconcelos
SÃO PAULO – Quando foi que Dú Cardim apareceu pela primeira vez em Interlagos? Num dos farnéis do #96, saudosos encontros de blogueiros no autódromo para ver um DKW lerdo que carregava dentro dele sonhos e nostalgia de uma gente diferente?
Claro que não.
Dú sempre esteve em Interlagos, e o que aconteceu lá pelos idos de 2006 foi apenas que nos recebeu com a alegria e a generosidade que essas entidades aladas misteriosas entregam a novos visitantes em seus domínios.
Desde então, lá estava ele em cada corrida, em cada treino, a cada motor quebrado, a cada aflição nos boxes, em cada acidente que nos assustava, e como um anjo nos acudia o tempo todo, parecia se multiplicar, via e vivia tudo, de tudo sabia e a todos conhecia, e quando o sol se punha atrás daquela curva, fazia a última vistoria de seu solo sagrado e desaparecia, para amanhecer ali mesmo no dia seguinte, afinal era ali que vivia, era daquela terra que se alimentava, era aquele o único ar possível que respirava, os sons que daquele lugar emanavam eram os únicos dignos de se escutar. Dú chorava quando via a neblina baixar sobre Interlagos.
O mundo é um lugar estranho para anjos, e talvez por isso eles não sejam devidamente compreendidos. Há uma certa urgência no que fazem, porque as demandas daqueles que protegem, num ambiente apressado como o de uma pista de corridas, assim são.
Então que mesmo assim Dú Cardim dava conta de acudir a todos nós e é bem possível que encerrasse suas jornadas esgotado, ainda que seu sorriso tímido não demonstrasse cansaço ou estafa. Era ele que nos trazia notícias e peças e palavras e sabedoria e fita crepe e adesivos e histórias e cigarros e cervejas e capacete e balaclava e papeletas com resultados e que ficava conosco no hospital, fosse um caso de ossos quebrados numa porrada na Reta Oposta, fosse um caso de porre que precisava ser contornado imediatamente porque no dia seguinte haveria um grid e uma largada e uma corrida e a necessidade de se cumprir uma missão sacra, a de acelerar como faziam seus ídolos Luizinho e Pace, a quem nunca conseguimos nem remotamente imitar para, pelo menos, agradecer os cuidados que ele nos oferecia em troca de nada, absolutamente nada.
Não sei bem o que aconteceu com Dú Cardim anteontem, uma queda no jardim de casa, me contaram, um hospital, outro hospital, atividade elétrica que cessa, o fim.
Pane elétrica, deveria ser essa a causa mortis, era o que eu colocaria na certidão de óbito se pudesse, e o anjo magro colocaria os óculos para rir de mim, abriria uma latinha, acenderia um Marlboro, me daria um, e encerraria a questão dizendo é nóis, Efegê, para bater as asas e ir-se, porque tem corrida neste fim de semana e vão precisar dele lá.
Vai lá então, Dú Cardim, proteja a todos, nos proteja.
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