RIO (correndo) – Depois de ver Vettel na pole ontem e ficar em quinto no grid em Singapura, Hamilton disse, meio desolado, que só um milagre para vencer a corrida de hoje.
Pois milagres acontecem. Um dos que ele pediu aos céus foi chuva. Veio. Outro, que não sei se solicitou aos seus guias espirituais, seria uma batida na largada envolvendo Vettel — a única forma de impedir uma vitória do alemão. Veio também. E, assim, Lewis pode ter conquistado seu quarto título hoje em Marina Bay.
Se o inglês da Mercedes ganhar o campeonato, podem apostar: ao olhar o Mundial em perspectiva, terá sido este o GP decisivo de 2017. Pois Hamilton venceu e Vettel abandonou — pela primeira vez no ano. Numa temporada disputada ponto a ponto, uma abandono de um candidato à taça somado a uma vitória do outro costuma resolver as coisas.
A chuva pegou todo mundo de surpresa e teve papel importante no acidente múltiplo envolvendo Vettel, Raikkonen, Verstappen e Alonso antes da primeira curva. Como todos, vi e revi a batida um milhão de vezes, para não chegar a conclusão nenhuma no que diz respeito a uma eventual culpabilidade (palavra horrível). Ao menos nenhuma muito definitiva. Talvez apenas algumas convicções.
O que dá para afirmar é que tudo só aconteceu porque Verstappinho largou mal. Mas, nesse caso, não há dolo (outra palavra horrível). O jovem holandês deu uma vacilada e Kimi, que estava logo atrás, viu o espaço e foi para a ultrapassagem entre o carro da Red Bull e o muro. Até aí, tudo normal. Vettel, por sua vez, à direita de Max, levou o carro ligeiramente para a esquerda para proteger sua posição. O rubro-taurino, quando finalmente saiu do lugar, tinha uma Ferrari de cada lado. Ao perceber Vettel vindo para a esquerda, também fez um movimento leve para o mesmo lado. E foi atingido por Raikkonen.
O sanduíche de Red Bull com uma fatia de Ferrari de cada lado resultou no toque que fez Kimi atravessar na pista molhada e acertar o companheiro de equipe. Ajudou o fato de o finlandês ter passado com as rodas na parte pintada do asfalto, que era ainda mais escorregadia. Verstappen ficou vendido entre os dois. Alonso, que largara de forma excepcional e passava todo mundo por fora e faria a primeira volta em terceiro, foi acertado também — continuou na corrida, mas abandonaria depois com o carro todo estropiado.
Vettel ficou arrasado com o desfecho do episódio. Raikkonen, irritado. Max atribuiu o choque a Sebastian, dizendo que ele jogou o carro para a esquerda e que “quem luta pelo título não pode assumir riscos desse jeito”. Tendo a concordar com ele. No fim das contas, todos têm lá suas razões, especialmente Verstappen, o menos culpado de todos. Na minha visão, um acidente de corrida, dessas coisas que acontecem, e a pista molhada potencializou as consequências porque Kimi saiu escorregando e levando junto com ele tudo que apareceu pela frente. Em resumo, um azar desgraçado especialmente para Vettel, o único dos três que tinha realmente algo a perder com um acidente na largada.
A partir daí, Hamilton reinou sozinho. De quinto no grid, apareceu em primeiro logo de cara porque, além dos três envolvidos, outro que estava à sua frente no grid também largou mal, Ricciardo. E, assim, venceu pela 60ª vez na carreira, sétima no ano, terceira em Singapura. Saltou para 263 pontos, ampliando para 28 a vantagem que tinha sobre Vettel na classificação. O prejuízo do alemão foi tão grande que Bottas, terceiro colocado na corrida, está agora mais perto dele na tabela, 23 pontos, do que ele do líder. Para a Ferrari, a noite foi desastrosa.
A chuva inédita em provas noturnas fez com que alguns pilotos escolhessem pneus para piso muito molhado, e outros largassem com intermediários — caso dos seis primeiros no grid. Ninguém sabia direito o que esperar daquele asfalto citadino cercado de refletores por todos os lados. A opção por um ou outro nem foi tão relevante assim. Importante seria acertar o momento de colocar “slicks”, o que acabaria acontecendo na altura da volta 25, quando Magnussen deu uma de boi de piranha e arriscou. Como não saiu rodando, nem batendo em nada, todos fizeram o mesmo e na volta 32 já não havia mais ninguém na pista com pneus para pista molhada.
A corrida não foi grande coisa, exceto pelo caráter quase épico do abandono duplo da Ferrari logo na primeira curva. As posições da 15ª volta, quando uma nova relargada aconteceu após intervenção do safety-car por uma batida de Kvyat, praticamente se mantiveram até o final. Apesar do piso traiçoeiro, exceção feita ao russo da Toro Rosso, ninguém se atrapalhou demais e as disputas aconteceram do meio do pelotão para trás.
Nessa zona de pouco glamour, alguns pilotos foram muito bem. Entre eles o surpreendente Palmer, que chegou a andar em segundo e terminou em sexto, marcando seus primeiros pontos na F-1. Outro que mereceu aplausos gerais foi Sainz Jr., quarto colocado, sua melhor posição na carreira — ótimo cartão de visita para sua nova equipe, a Renault. Vandoorne em sétimo e Stroll em oitavo também podem se orgulhar do que fizeram, especialmente o jovem canadense. Largou lá atrás e conseguiu pontuar de novo, à frente de Massa — que teve atuação horrorosa –, numa pista que não conhecia e em condições difíceis. Definitivamente, fomos injustos com o rapaz no começo da temporada.
A prova acabou no limite de tempo de duas horas, com 58 das 61 voltas previstas percorridas — não se espantem com o número de pit stops, turbinado pelas passagens de todos pelo pitlane quando o primeiro safety-car foi acionado, da primeira à quinta volta. Uma terceira e última intervenção do carro de segurança foi necessária entre as voltas 38 e 41, depois de Ericsson rodar e deixar o carro parado na contramão, o que daria uma brecha para Ricciardo tentar uma reaproximação na relargada e eventualmente lutar pela vitória. Mas Hamilton não lhe deu chances. O GP de Singapura, assim, segue tendo 100% de presenças de safety-car em sua curta história de dez presenças no calendário. Normal, tratando-se de um circuito de rua.
E dizer o que mais?
Que estou com fome e que o sol brilha lá fora.
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