DE COMO UMA KOMBI AZUL SALVOU NOSSAS VIDAS

SÃO PAULO – A manhã seguia seu curso, cada um dentro de seu casulo, uns com pressa, outros não.

Eu tinha pressa porque nessas horas parece que é preciso correr, como se correndo fosse possível evitar o que já aconteceu.

Então entrei na avenida correndo, para chegar logo, e lá no meio daquele mar de carros e ônibus e motos e caminhões vi uma Kombi azul.

Ela rodava num ritmo que me parecia diferente do dos outros, do meu e de todos, supus até em silêncio. Olhava para a frente pelo parabrisa embaçado e só via a distância aquela Kombi azul, um mancha cinza entre nós, e decidi que era atrás dela que deveria ir.

Aonde me levaria, não sabia. Eu tinha um destino, mas dele abri mão. Fui atrás da Kombi azul porque, ainda que fosse impossível enxergar o que havia lá dentro, para mim ela transportava o que eu acreditava ser a ordem natural das coisas.

Tudo o que buscava naquela Kombi azul era isso, a ordem natural das coisas. Queria segui-la pelo tempo que fosse preciso, para que em algum momento ela chegasse a algum lugar, e de lá eu pudesse retornar, e depois ir de novo, e a vida continuaria assim, sempre atrás da Kombi azul e seu ir e vir, indo e voltando. Assim deve ser a vida, ir e voltar.

Pelas tantas, ela subiu a rampa que eu também deveria subir, isso me animou, o caminho é esse mesmo, fui atrás, mas no instante seguinte, eis que a Kombi azul desapareceu.

Então fiquei aflito, muito aflito, porque a ordem natural das coisas foi quebrada, como posso voltar na hora de voltar se não sei direito aonde estou indo?

Aquela Kombi azul, no entanto, quando sumiu, me mandou um recado. Vá, filho, encontre o seu destino por si, porque não há uma ordem natural das coisas, não adianta me seguir, aliás, não há exatamente um destino, há muitos caminhos, escolha-os, percorra-os, até a hora de chegar.

E quando chega?, perguntei, e ela já não estava mais lá para responder.

Então entendi que aquela Kombi azul silenciosa e vagarosa desvaneceu-se para que minha hora, e a de todos aqueles que talvez sem saber também estavam atrás dela, não chegasse antes do tempo, que há um tempo para tudo.

Cheguei onde devia chegar, fui e voltei, mas eles, não. Em algum momento da vida, o caminho escolhido levará ao desconhecido — e isso não deve ser de todo mau, ao menos é nisso que a maioria das pessoas crê.

PJ, Mario, Vitu, Deva, Rodrigo, Jumelo, os meninos da Chape e todos que entraram naquele avião não tiveram a chance de, antes, receber aviso generoso de uma Kombi azul, que condescendeu comigo por alguma razão – talvez a minha pequenez. Mergulharam no desconhecido porque nunca buscaram a ordem natural das coisas, e sim a grandeza delas e da vida.

Encontraram, depois de fazer suas escolhas e percorrer seus caminhos.

Não devemos temer o desconhecido. Em algum momento, vamos conhecê-lo. Seja seguindo uma Kombi azul, seja entrando num avião.



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