Por David Borges Isaac e Evandro A. S. Grili*
A Constituição Federal desenhou as regras de competência tributária, outorgando aos Estados o direito de instituir o imposto que incide sobre propriedades de veículos automotores (IPVA), enquanto o proprietário fica responsável por recolhe-lo.
Entretanto, de uns tempos a esta parte, alguns Estados passaram a cobrar IPVA de veículos de proprietários domiciliados em seus territórios cujo licenciamento e registro se efetivava em outros Estados da federação. Aqui surge um problema de quem será responsável por receber o imposto, uma vez que ambos, a rigor, teriam competência para instituir a exação.
A título de exemplo, o Estado de São Paulo passou a exigir IPVA daquelas empresas ou pessoas físicas que, com domicílio em São Paulo, possuíam veículos registrados em outros Estados, como, por exemplo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Tocantins. Neste caso, é certo que, se o contribuinte demonstrar que seu domicílio era também no Estado onde o veículo estava registrado, a cobrança se tornaria rigorosamente ilegítima. O problema jurídico, todavia, se dá quando o contribuinte licencia seu veículo em outro Estado sem que por lá tenha unidade econômica ou domicílio.
A situação fica ainda mais latente quando São Paulo, por hipótese, como de fato se deu na prática, exige IPVA do veículo licenciado em Goiás, a pretexto do proprietário possuir apenas residência ou unidade econômica no primeiro, e não as ter na unidade federativa de registro.
Como todo e qualquer problema jurídico, a resolução desse conflito passa pela análise da Constituição Federal, e apenas e tão somente dela, uma vez que não há Lei Complementar sobre o tema. Segundo seu artigo 158, que trata do produto da arrecadação do IPVA, parte do valor arrecadado ficará no local de licenciamento dos veículos, não no domicílio e nem na sede do proprietário.
A mesma Constituição Federal, tratando de evitar a chamada guerra fiscal, isso é, a concessão de alíquotas as mais reduzidas em detrimento de outros Estados, outorgou ao Senado Federal a obrigação de estabelecer alíquotas mínimas de IPVA, de cumprimento obrigatório às unidades federativas. É o que traz o artigo 155, III, § 6º.
Assim, fica determinado que: i) há incidência de imposto sobre propriedade de veículo automotor, e, para tanto, aos Estados cumpre a competência de institui-lo; ii) o sujeito passivo será o proprietário; iii) parte do produto da arrecadação será destinado ao Município onde o veículo estiver licenciado; e, iv) para evitar guerra de alíquotas entre os Estados, porque o imposto incide no local de licença do automóvel, o Senado estabelecerá os percentuais mínimos para o imposto.
O pressuposto, porém, constante da Constituição Federal, é que o produto da arrecadação ficará no Estado onde o veículo estiver licenciado, o qual terá a obrigação de repartir com o Município. Repete-se: o pressuposto é para indicar que o imposto incide no Estado de licenciamento do veículo. Não se cogita a incidência no local de domicílio ou nem da sede do contribuinte. O legislador constituinte poderia ter escolhido, caso o imposto incidisse no domicílio do proprietário, o local de residência ou onde exerce sua atividade, para destinar o produto da arrecadação. Optou, todavia, para o local de licenciamento do veículo.
O Supremo Tribunal Federal, não à toa, reconheceu a repercussão geral sobre o tema e irá apreciar definitivamente a questão. Trata-se do caso em agravo de recurso extraordinário n.º 784.682, que vai atingir toda comunidade ou uma parcela significativa dela.
Ainda na vigência da legislação processual anterior, a Procuradoria Geral da República, instada a se manifestar sobre o tema, opinou pela incidência do imposto, independentemente do domicílio do contribuinte, no local onde o veículo for licenciado.
Pela interpretação da Procuradoria Geral da República, nos autos do Recurso n.º 784.682, em trâmite pelo Supremo Tribunal Federal, ainda não julgado, a incidência se dá no local de licenciamento, a despeito do domicílio.
Fazendo uma abstração fática, o proprietário de veículo automotor, residente em São Paulo, cujo registro e licenciamento se deu no Paraná, haverá de recolher seu imposto, ante o parecer da PGR, ao Estado do Paraná. Não há decisão definitiva do Supremo, mas há parecer, em nível da PGR, nesse sentido. É um forte substrato jurídico.
Não se quer aqui supor qual será a decisão do Tribunal, mas se pode dizer que há elementos suficientemente significativos para indicar que o imposto é devido no local do licenciamento, permitindo aqueles que recolheram nos últimos 5 anos, ao Estado onde estão domiciliados, o direito à restituição; ou, de outro lado, para aqueles que ainda possuem débitos, o direito de discutir a cobrança.
*David Borges Isaac e Evandro A. S. Grili são advogados, sócios de Brasil Salomão e Matthes Advocacia